Do Cordeiro ao Pão de Deus
“Isto é o meu corpo entregue por vós; este é o cálice do meu sangue, da nova e eterna Aliança… Fazei isto em memória de mim”. Assim se referiu Jesus ao pão ázimo e ao vinho da Ceia pascal. Na nova Páscoa, o Cordeiro era Ele; e esse memorial passaria a ser o último sacrifício. Ao longo dos dois milénios que se seguiram, todas as manhãs, o cumpriram os sacerdotes de Cristo nos muitos altares que recheiam as igrejas antigas. E, para acudir aos ausentes, cedo se conservou, ao lado do altar do sacrifício, uma Reserva desse Pão. Para a albergar desenharam-se cofres preciosos, que logo assumiram a forma de um templo. O Pão do Céu tornara-se a nova Presença de Deus na cidade humana. E, ao assalto da dúvida, o sistema imunitário da fé suscitou novas formas de culto e afeto. Sentiu-se a necessidade de o expor à fruição da vista. A “Custódia” da sua exposição é o atributo que identifica Santa Clara. E a vocação das Clarissas, que ela fundou, está precisamente na adoração contínua dessa Presença.
A série de cenas bíblicas que se segue foi encomendada pelas Clarissas para se inspirarem nessa função quotidiana. Em cada uma delas se busca alguma alusão a Cristo e ao Pão em que Ele quis ficar presente e realizar o antiquíssimo desejo da religião: a Presença da Divindade. Nos Sacrários das igrejas, estão guardadas partículas desse pão consagrado, hoje chamadas “hóstias”. Por “hóstia”, designava-se inicialmente a oferenda do cordeiro sacrifical sobre o altar. E Jesus, na tradição dos sacrifícios antigos, identificara-se como o Cordeiro de Deus. Assim o Pão se fez Cordeiro e o Cordeiro se fez Pão. Não é símbolo. É Presença real.
Desta Bíblia Imaginada se inspiraram dia a dia as Adoradoras da Presença no mosteiro de Santa Clara, de Guimarães, de onde provém esta série de 14 pinturas do séculos XVII.